A noite em que o luar tocou meus olhos

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         Era triste, oh, saudosa memória de minha infância sadia, 
em quantas crenças eu cri
não se sabe até onde pude saber
não sei mais ver até onde via

Eu sei, oh, verdade, que é difícil saber
toda a luz que habita na carne
a mesma que padece e se põe à apodrecer

Sei, hoje, pois, que a verdade habita em partícula
de luz naquilo que não parece brilhar
pois reluz para os olhos do espírito
com os quais a maioria não pode enxergar

Sei, triste encanto, que padeci como carne
e vi, assisti, remoí meu próprio ser junto aos vermes da terra
Senti todo o peso de tudo o que cri
Sofri a descarga dos raios de amargor
vi o silêncio cobrir toda a esfera

Mas, pensai-vos, que desisti de amar
o que chamais de viver?
Digo que amo mais a vida após morrer
pois descobri que morrer é nascer
e toda a dor da vida
era só um decadente sonhar

Ah, quão triste vi meus tecidos de putrefazerem
senti a dor, não do corpo, mas da misericórdia
que, divina, quando arrebata o ego frio
faz até os mais agressivos se deterem.

Pequena grande redenção
na noite em que desisti de mim
foi quando lembrei do céu, enfim,
e por detrás do véu de nuvens
a lua tocou meus olhos, ou melhor, minh'alma
a qual em sua ilusão ocular de corpo
ainda por globos faciais cria ver.

Sagrada unção, cerração da noite infinita
que saudade eu sentia do que não podia ver
foi quando vi meu último veio se romper
o fio de crença, de que corpo era meu eu todo.

Deixei-o sumir no lodo,
para poder me embeber da lua
E foi na noite em que ela tocou minh'alma
mansa, imensa, calma
que desaferroei do epaço
do túmulo como um laço
da terra como leito

E o luar pungiu em meu peito
senti, ah, senti,
que mais poderei dizer
de que sorri em todo
era ela, lua bela, quem vinha
áspera, severina,
mulher de minha vida
descer do céu, para, finalmente, tocar-me.

Ora, então, não me lembro,
quando teu vulto entre astro e gente se dissipou
mas quando senti teu calor latente
no mais doce e ínfimo abraço
pela leveza a qual eu desconhecia
em um sopro noturno me levou.

Só vi, só lembro que vi,
o céu estrelado romper como um reflexo de lago
ritmamente desfigurado
no doce instante em que partí.


poesia por
Augusto dos Anjos

recebido por
Maria Fernanda Balazs

00:25 12/11/2017

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